Poluição de setor têxtil macula Bangladesh
O cheiro sobe de um canal poluído que passa atrás da escola, no qual fábricas despejam seu esgoto. A maioria delas é composta por oficinas de costura, tecelagens e tinturarias, integradas a uma cadeia de suprimentos que exporta roupas para a Europa e os Estados Unidos. Olhando para o canal, os alunos podem saber quais cores estão na moda.
Há quase três meses, o edifício Rana Plaza, onde funcionavam muitas oficinas de costura, desabou matando mais de 1.100 pessoas, num desastre que expôs os riscos da fórmula de baixo custo que fez de Bangladesh o segundo maior exportador mundial de vestuário (atrás da China) e um favorito de empresas como Walmart, J.C. Penney e H&M. Essa fórmula está associada ao pagamento dos salários mais baixos do mundo e a gastos mínimos nas condições de trabalho.
Ela também costuma implicar no menosprezo a regulamentos ambientais custosos. Os setores têxtil e de vestuário em Bangladesh contribuíram fortemente para aquilo que especialistas descrevem como uma desastrosa situação de poluição hídrica, especialmente nas grandes áreas industriais de Dacca, a capital. Muitos arrozais estão atualmente inundados com esgoto tóxico. Os peixes estão morrendo. E, à medida que incorporadores vendem terrenos para a construção de fábricas ou moradias, muitos córregos estão ficando cheios de lixo e areia.
Bangladesh já é um dos lugares de maior fragilidade ambiental do planeta -é densamente povoado e cortado por bacias fluviais, com um labirinto de várzeas que desemboca na baía de Bengala. Além das ameaças da poluição à agricultura e à saúde pública, Bangladesh também está gravemente vulnerável ao aquecimento global, já que a elevação do nível dos mares e a alteração dos padrões climáticos podem levar ao deslocamento de milhões de pessoas e a uma forte redução da produtividade agrícola.
Aqui em Savar, subúrbio industrial de Dacca onde ficava o edifício Rana Plaza, algumas fábricas tratam seus esgotos, mas muitas não fazem isso.
"Olhe, não é só em Savar", disse Mohammed Abdul Kader, prefeito de Savar desde que seu antecessor foi afastado em decorrência do desastre no Rana Plaza. "O país inteiro está sofrendo com a poluição."
Bangladesh tem leis de proteção ambiental, um ministério nacional do Ambiente e novos tribunais especiais para casos ambientais. Mesmo assim a poluição está crescendo.
Curtumes e indústrias farmacêuticas são parte do problema, mas as tecelagens e oficinas de costura, importantes geradores de empregos, são os setores que mais contribuem para a poluição. Quando o Ministério do Ambiente nomeou um funcionário que impôs multas a indústrias têxteis e tinturarias, os proprietários forçaram sua transferência.
A menos de 3 km do terreno do Rana Plaza, os alunos da escola Genda são majoritariamente filhos de operários têxteis. Golam Rabbi, 11, aluno do terceiro ano, mora com sua mãe e dois irmãos menores em um só cômodo.
"A escola sempre cheira mal", disse Golam. "Ela está deixando algumas crianças doentes. Às vezes, minha cabeça gira."
A família dele ainda luta para se recuperar do desabamento do Rana Plaza. O pai dele, segurança no local, morreu no desastre.
O pai havia largado a escola para trabalhar -como a mãe-, e os dois acreditavam que a educação poderia garantir uma vida melhor aos seus filhos.
"O principal objetivo dele era que seus filhos fossem educados", disse a mãe de Golam, Hasina Begum, referindo-se ao marido. Mas a poluição dificulta isso.
As fábricas cercam a escola: numa distância de 275 metros, há duas oficinas de costura, duas tinturarias, uma tecelagem, uma fábrica de tijolos e uma indústria farmacêutica. Pelo menos dez tinturarias podem ser encontradas em um raio ligeiramente maior. Um canal subterrâneo de drenagem despeja esgoto no canal.
Mohammed Abdul Ali, diretor da escola, disse ter procurado donos de fábricas e autoridades de Savar, tentando convencê-los a remover o duto de drenagem. Mães de alunos, incluindo a de Golam, realizaram manifestações. Ambientalistas locais também entraram na campanha.
"Nunca vimos os proprietários levarem nossos apelos a sério", disse Ali. "Eles têm uma boa relação com os políticos. Por isso não se importam."
Numa recente tarde chuvosa, alunos do quinto ano se reuniam em uma sala de aula sob um odor insuportável. Das 24 crianças presentes, 23 levantaram a mão quando perguntamos sobre quem tinha pais trabalhando na indústria têxtil.
Ambientalistas bengaleses dizem que falta empenho dos compradores globais.
"Os compradores compreendem totalmente as condições em Bangladesh", disse a advogada ambientalista Rizwana Hasan, "e se aproveitam delas".
Fonte: Folha.com
#poluição
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