Pesca em águas turvas

Fonte: Guia Exame Sustentabilidade

O crescimento e a modernização dos últimos anos colocaram a indústria pesqueira sob ameaça de extinção. Para salvá-la, só há uma saída: desacelerar

No início dos anos 50, o Alasca vivia uma catástrofe econômica e ambiental. A indústria da pesca, maior fonte de receita do gélido estado americano, naufragava por culpa dos próprios excessos. A expansão das fábricas de pescado enlatado e a sofisticação tecnológica dos pesqueiros haviam levado a pesca a um ritmo frenético. No ano de 1936, em seu auge, a indústria chegou a pescar 120 milhões de unidades. O resultado disso foi uma diminuição dramática dos cardumes. A rentabilidade dos negócios despencou. Em 1953, a captura do salmão atingiu o menor nível em 23 anos, e o presidente Dwight Eisenhower decretou estado de calamidade. Os estoques da espécie continuaram a cair e, no fim da década, mal se pescavam 25 milhões de unidades por ano. De lá para cá, a situação mudou, e muito. Hoje, 60 anos depois, os pesqueiros do Alasca capturam um volume oito vezes maior. A indústria fatura cerca de 5 bilhões de dólares anuais e gera 70 000 empregos diretos. O Alasca se transformou no grande celeiro marinho dos Estados Unidos. 

O milagre da multiplicação do salmão no Alasca, porém, é a boa notícia que foge à regra. No resto do planeta, grande parte dos estoques pesqueiros está entrando em colapso. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), até meados deste século diversas espécies comerciais estarão extintas ou em via de desaparecer. Cerca de 30% da pesca oceânica já está comprometida e produz menos de 10% de sua capacidade de pico. "Não é um roteiro de ficção científica", diz Achim Steiner, diretor do Pnuma. "O mercado premia aqueles que vão além dos limites e alcançam o último peixe do oceano." Essa falta de visão de futuro, segundo Steiner, poderá ser fatal para o setor. A indústria da pesca oceânica, que movimenta cerca de 91 bilhões de dólares por ano, dá sinais de que está sentindo o baque. A produtividade global está estagnada desde o início desta década: na faixa de 80 milhões a 83 milhões de toneladas anuais. Além disso, ela está perdendo terreno para a aquicultura, que já fornece quase metade dos peixes consumidos no planeta e deve bater a pesca em 2012. 

Um bilhão de habitantes do planeta têm na pesca dos oceanos sua principal fonte de proteína animal. O bacalhau, só para ficar num item tradicional das mesas brasileiras, dá pistas do que vem pela frente. Quando o navegador genovês Giovanni Caboto avistou pela primeira vez o que viria a ser o Canadá, cinco séculos atrás, encontrou um mar tão apinhado de peixes que seu navio teve dificuldade de atingir a costa. Bastava que seus marinheiros baixassem baldes ao mar para pegar grandes quantidades de pescado. Passaram-se os anos e a indústria da pesca floresceu, atingindo seu auge em 1968, quando 800 000 toneladas de bacalhau foram retiradas do litoral atlântico canadense. A introdução de navios de até 60 metros triplicou a capacidade da indústria, a tal ponto que os peixes mal tinham tempo de se reproduzir. Resultado: em poucos anos, a espécie sumiu completamente da região. Em 1992, o governo do Canadá declarou a moratória da pesca do bacalhau. Não foi o suficiente. O bacalhau canadense nunca mais voltou, e quase 40 000 pessoas perderam seu ganha-pão. Em termos globais, 500 milhões de pessoas dependem da pesca oceânica para seu sustento - universo que inclui pescadores artesanais, tripulantes dos grandes pesqueiros, empregados de indústrias de embalagem e congelamento de pescados e aqueles que atuam no transporte e na comercialização, mais as suas famílias.

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