Mitos, histórias e a importância das baratas são tema de projeto da UFRJ

Estudo quer acabar com mitos sobre a barata. Foto: Divulgação
Ela é uma das maiores vilãs do mundo animal. Transmite doenças, adapta-se a qualquer ambiente, e, como se não bastasse, é feia. Poucos discordariam de aplicar este julgamento à barata. Mas há quem se esforce para mudar a imagem do inseto.
Um grupo do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) prepara uma série de minidocumentários para provar que a cucaracha é importante na cadeia alimentar, fundamental para a limpeza de material orgânico e, além de tudo, pode até ter uma aparência simpática.
- Existe um confronto urbano entre o homem e a barata - destaca Roberto Eizemberg, que integra a equipe do projeto batizado de "Baratas: procuradas vivas ou mortas". - Não queremos que ninguém crie o inseto em casa. Mas é importante saber como ele é necessário à natureza, e de que formas podemos controlar o seu crescimento populacional nos centros urbanos.

O boom das baratas poderia ser evitado com ajuda de sua maior inimiga: a vespa. Ela põe seu ovo no interior da ooteca da barata - uma estrutura de cálcio onde há dezenas de ovos. A larva da vespa, ao nascer, alimenta-se dos embriões da rival em gestação.
A aliança do homem com a vespa seria bem-vinda. O crescimento das metrópoles tem assanhado as baratas. Já existem 200 delas para cada um de nós em São Paulo, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Biológicas. Afinal, com as cidades, aumenta também a produção de lixo, seu habitat por excelência. E, quando se trata delas, nenhum exemplar é desprezível. Uma barata deixa, em média, 750 filhotes em sua vida, produzidos em apenas um ano.
O milagre da multiplicação é especialmente visível nos meses mais quentes. À noite, a inversão térmica faz a temperatura aumentar nas tubulações e diminuir na superfície. Em busca de um tempo mais fresco, as baratas saem dos esgotos e se exibem nas casas alheias.
O calor ressalta uma adaptação sofrida por aquelas que adotaram a cidade como lar: os hábitos noturnos. As 99% que permaneceram no campo preferem circular durante o dia.
- Aquelas que vieram para a cidade trocaram a hora de circular para não se depararem com o homem - explica Suzete Bressan, consultora técnica do projeto e professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. - Nada assusta mais uma barata do que ser surpreendida enquanto passeia pela madrugada.
Por isso, não precisa gritar: se flagrada por aí, a barata foge. Se capturada, ela aciona seus mecanismos de defesa. Entre seus recursos está a mordida (caso do inseto urbano), estridular (a emissão de um som agudo, comum entre as espécies silvestres) e o uso dos espinhos de suas patas, também visto apenas em algumas delas. Nem os inseticidas são muito eficientes, porque, quando usados em excesso, podem contribuir para a proliferação de um grupo mais resistente ao veneno.
O que não se discute é a capacidade de sobrevivência desse inseto. Não à toa há fósseis do animal de 300 milhões de anos - são, portanto, anteriores aos dinossauros. Em toda a sua trajetória, o inseto sofreu pouquíssimas adaptações em sua anatomia. O desenho das asas, por exemplo, é praticamente o mesmo.
O futuro também não reserva ameaças à barata. Nem um ataque nuclear seria capaz de detê-las.
- Por viverem escondidas em galerias, elas ficam mais protegidas dos efeitos de uma explosão nuclear do que o homem - opina Rozemberg. - Outra demonstração de resistência é o fato de que as baratas têm um sistema nervoso descentralizado, o que permite até que seu corpo resista algum tempo após a cabeça ser arrancada.
Quem quiser decepar a barata terá de suar: as pernas do tipo cursoriais, próprias para correr, tornam-na um dos mais rápidos insetos terrestres. O instinto de defesa abrange até a criação dos filhotes - os ovos, como foi mencionado, ficam dentro de uma cápsula de cálcio, que, embora seja penetrada pela vespa, é suficiente para protegê-la de uma série de outras espécies.
Desprezada pelo homem, a barata apetece ao paladar de aranhas, lacraias, sapos, escorpiões e pássaros. Tem, portanto, um papel inegável na cadeia alimentar.
Mais amplo é o cardápio das próprias baratas. A impressão é de que qualquer objeto pode lhes servir de alimento. As espécies silvestres preferem raízes de plantas e fungos; as urbanas, plástico, isopor, madeira, materiais de fossas. Eventualmente podem apelar para o canibalismo, quando a dieta tradicional é escassa ou sua colônia é invadida. A contaminação de alimentos com uma secreção, aliás, é uma das formas de a espécie marcar território.
A demarcação de seu espaço, a dieta e os locais por onde transita mostram por que a barata não é um modelo de higiene. Seu habitat conta com inúmeros micro-organismos patogênicos, transmissores de doenças que vão da gastroenterite ao herpes. Ainda assim, menos de 40 das 4 mil espécies conhecidas podem ser consideradas pragas urbanas.
Para quem quer estudar essa variedade, o Brasil é um palco privilegiado. Mil espécies são vistas por aqui - entre elas a Blaberus giganteus, nativa da Amazônia, que atinge 10 centímetros de comprimento. Mais comum é se deparar com a Blattella germanica, protagonista de uma disputa diplomática. Os franceses dizem que a espécie é alemã; estes, por sua vez, asseguram que o inseto foi descoberto na França. Por aqui, ela é conhecida tanto como francesinha como por baratinha-alemã.
Curiosidades como esta serão abordadas nos novos vídeos do projeto, que conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj). O material será apresentado em visitas a escolas e no Espaço Ciência Viva, um galpão na Praça Saens Peña, na Tijuca.
- Procuramos desmistificá-la, mostrá-la como um inseto que faz parte da cadeia ecológica, que tem papel inestimável por decompor matéria orgânica - ressalta Eizemberg. - É possível mudar a percepção das pessoas.
E se alguém encontrá-la em casa?
- Aí é melhor pegar o chinelo.

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